A lição do Domingo de Ramos



Cristo faz sua entrada solene em Jerusalém, recebendo uma aclamação jamais vista na História. Surge então a grande questão: como é que Jesus sendo Deus e, portanto, sabendo que iria ser crucificado e objeto de escárnio daquele mesmo povo permitiu aquela consagração? Ele via por detrás dos braços que no ar o aplaudiam o fulgurar das espadas e o levantar de punhos cerrados a clamarem pela sua crucifixão.

Qual a razão pela qual Ele permitiu todo aquele alvoroço, toda aquela festa? Na resposta a grande lição deste Dia de Ramos. É que Ele queria ensinar que devemos sempre desconfiar dos louvores humanos . Ele desejava mostrar qual o verdadeiro valor do triunfo terreno. Ele almejava alertar seus seguidores sobre qual a autêntica conquista que deveriam buscar, oferecia uma autêntica filosofia de vida a seus epígonos.

É inato ao ser humano o anseio pela gratidão, pelo reconhecimento, pela glória. Isto, afastado o vão orgulho, a vaidade simplória, a detestável arrogância, a antipática petulância, não é, em si, um mal.. Com efeito, tais aspirações projetam a conquistas grandiosas que fazem os sábios, os heróis dos altares pátrios, os cientistas famosos, os gênios extraordinários que, olhos fixos na consagração de seus contemporâneos e pósteros pontilham o mundo com seus feitos memoráveis.

Os triunfos terrenos, porém, são ilusórios. São sombras que passam, névoa que os lábios da inveja logo dissipam, nuvens que se desfazem, seta luminosa que fende os ares e logo se apaga, meteoro que logo desaparece, flor que breve se emurchece. São passageiros e logo são olvidados, lançados no esquecimento.

O mesmo sol que os contempla pela manhã os vê fenecer à tarde. Os homens são sempre os mesmos: mudam-se rapidamente seus sentimentos, suas apreciações, suas atitudes e hosanas se transforma em clamores de morte, como aconteceu com Jesus. Eis aí a grande lição do dia de hoje.

Na terra misturam-se o bem com o mal, o encômio com a injúria, a ventura com o desar, a alegria com a tristeza, a aclamação com o ultraje, o elogio com a calúnia. A rainha das flores, a rosa, é bem o símbolo desta realidade. Os espinhos circundam a beleza desta flor como que patenteando a vida humana. Então, como não há nesta vida rosa sem espinho, nem pérola sem limo ou prata sem liga, nem sol sem sombras, nem céu sem nuvens, nem peixes sem espinhas assim não há glória terrena sem o travo das afrontas ou da invídia. O triunfo humano conhece sempre o fel da humana inveja.

Isto acontece com rapidez impressionante, pois se no decorrer do ano há inverno e verão e entre eles muitos meses; dia e noite e entre eles vinte e quatro horas, para existirem o elogio e o desprezo, hosanas e clamores de morte, loas e injúrias basta um instante.

É para esta inequívoca precariedade das vitórias, das glórias, das honras humanas que neste dia nos chama a atenção o Mestre divino. Ramos não assinalou Sua vitória verdadeira. Seu triunfo Ele o conheceria em outra manhã radiosa, no momento de sua gloriosa ressurreição.

Aqueles mesmos que o aclamaram hoje o levarão ao suplício da cruz. Cumpre então ter na devida conta os louvores. Tenhamos um conceito preciso dos bens terrenos. Almejemos não as frágeis e perecíveis conquistas nesta terra, mas sim a felicidade perene da Jerusalém celeste onde Cristo vitorioso está a nossa espera. Lá, sim, se encontram os louros que não emurchecem nunca e não são jamais atingidos pela traça destruidora da humana inveja.

Este anelo da apoteose da glória eterna, das alegrias perenes, do júbilo nos deslumbrantes palácios do Rei imortal dos séculos, nos projetará na posse de glória imperecível. Será este o dia do nosso grande triunfo que não terá ocaso pois estaremos por todo sempre juntos ao Redentor vitorioso.


Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
Shalom.org

Fonte: A Voz do Solencio

Como vai a sua autoestima?



Cada um de nós possui representações mentais internas das pessoas mais importantes em nossa vida, inclusive de nós mesmos. A autorrepresentação, ou autoimagem, pode ser coerente ou distorcida. Além disso, nós trazemos uma imagem mental do que gostaríamos de ser ou do que pensamos que deveríamos ser; é o ideal de ego.

A autoestima é o resultado da correspondência entre a nossa autoimagem e o nosso ideal de ego. Quanto mais achamos que estamos próximos do jeito que gostaríamos de ser, tanto mais teremos a autoestima equilibrada; de forma contrária, quanto mais estivermos frustrados com os nossos próprios objetivos e aspirações, tanto mais a nossa autoestima estará baixa.

A nossa autoimagem exerce uma grande influência em nossa vida, em nosso desempenho profissional e em nosso relacionamento interpessoal. O que pensamos a nosso respeito, a nossa autoimagem ou senso de autovalorização, influencia cada parte de nossa vida.

Aqueles que têm um bom e saudável senso de autovalorização se sentem importantes, acreditam que têm valor e irradiam esperança, alegria e confiança. Ao contrário, uma autoimagem inadequada nos tira a energia e o poder de atenção, necessários para bem nos relacionarmos com os outros; e um bom relacionamento interpessoal é fundamental em tudo o que fazemos. Nosso senso de inadequação nos impossibilita amar e dar atenção aos outros, pois nos leva a nos sentir rejeitados e incompreendidos; temos medo do que possam pensar de nós, não nos sentimos bem em grupos e não nos aceitamos como somos.

Ter uma autoimagem inadequada faz com que nos preocupemos com as opiniões, elogios ou críticas dos outros, como fatores determinantes para a nossa vida. Um senso de autovalorização muito baixo nos torna escravos da opinião dos outros e nos impede de sermos nós mesmos.

Por isso, quero convidar você para fazer um exercício neste momento e olhar para a sua imagem mental: O que você vê em si mesmo? Você está satisfeito com o que vê? Qual a visão que você tem de si mesmo quando se compara com outras pessoas?

Anote cinco pontos fortes e cinco fracos que você observa em si mesmo.

Em qual lista que você levou mais tempo para fazer as anotações? Na dos pontos fortes ou dos fracos?

Precisamos aprender a nos ver como Deus nos vê, a descobrir quem somos, a assumir o nosso valor, que vem do fato de sermos imagem e semelhança de Deus, filhos de Deus, filhos amados de Deus.

São Paulo, na sua Carta aos Romanos (Rm 12,3), nos ensina: “Pela graça que me foi dada, recomendo a cada um de vós: ninguém faça de si uma ideia muito elevada, mas tenha de si uma justa estima, de acordo com o bom senso e conforme a medida da fé que Deus deu a cada um”.

A nossa autoestima precisa ser equilibrada: nem alta, nem baixa, para que saibamos lidar com os nossos limites e fracassos, e para que tenhamos relacionamentos sadios e uma autoimagem correta, sem depreciações nem elevações. Por isso, uma autoestima equilibrada é fundamental para todos nós, filhos de Deus, para que possamos evangelizar, para que sejamos alegres e felizes em toda e qualquer circunstância.
O que fazer então para termos uma autoestima e uma autoimagem positiva e equilibrada?

Comece trabalhando a sua autovalorização, dando-se conta de que você é uma pessoa criada por Deus, imagem e semelhança de Deus, com limites e com qualidades. Você precisa entender que o seu valor não está no que você faz ou tem, está em você, no seu ser pessoa, com tudo o que você é, seu temperamento, seus dons e talentos.

Procure identificar quais são as suas qualidades e não só os seus limites. Aprender a lidar com os nossos limites, entender que ninguém é perfeito, que todos nós temos limitações e qualidades, é fundamental para uma autoestima e uma autoimagem equilibrada. Aprenda a não se cobrar tanto, e a não cobrar do outro também. Aprenda a se aceitar como você é. Nesse processo, aprender com as experiências vividas, com os erros e fracassos é fundamental. De tudo o que vivemos, precisamos tirar um lado positivo, uma aprendizagem, assim, nada passa em vão, tudo tem o seu devido proveito.

Atividades físicas, fazer coisas simples no seu cotidiano que você gosta, ter um tempinho para cuidar de si mesmo, do seu corpo e de sua saúde, também favorecem a autoestima.

Concluindo: para se ter uma autoestima equilibrada o mais importante é termos uma correta autovalorização, sabendo lidar com os nossos limites e fracassos. Como há um bom caminho pela frente a seguir, para trabalharmos em nós mesmos, coloquemo-nos a caminho. O colocar-se a caminho já é uma atitude que faz crescer a autoestima e, aos poucos, dia após dia, num processo que, às vezes, é lento, mas que precisa ser contínuo, vamos atingindo a justa estima de nós mesmos.

Manuela Melo
Missionária da Comunidade Canção Nova, formada em Psicologia, com especialização em Logoterapia e MBA em Gestão de Recursos Humanos.

Cristo Oferece a si mesmo a Deus



1. A novidade do sacerdócio de Cristo

Nesta meditação, queremos refletir sobre o sacerdote como administrador dos mistérios de Deus, entendendo desta vez por “mistérios” os sinais concretos da graça, os sacramentos. Como não podemos nos deter em todos os sacramentos, nos limitaremos ao sacramento por excelência que é a Eucaristia. Assim procede também a Presbyterorum Ordinis, que, após falar dos presbíteros como evangelizadores, prossegue dizendo que seu serviço, “que começa pela pregação evangélica, tira do sacrifício de Cristo a sua força e a sua virtude”, misticamente renovado por estes ao altar [1].

Estas duas atribuições do sacerdote são aquelas que também os apóstolos reservam a si mesmos: “Quanto a nós – declara Pedro em Atos –, continuaremos a nos dedicar à oração e ao ministério da Palavra” (At 6,4). A oração da qual fala não é a oração privada; é a oração litúrgica comunitária que tem como centro o partir o pão. A Didaché nos permite perceber como a Eucaristia, nos primeiros tempos, era oferecida no próprio contexto da oração da comunidade, como parte desta e seu cume [2].

Como o sacrifício da Missa não pode ser concebido a não ser em dependência com o sacrifício da cruz, da mesma forma o sacerdócio cristão não pode ser explicado a não ser em dependência e como participação sacramental no sacerdócio de Cristo. É daqui que devemos partir para descobrir a característica fundamental e os requisitos do sacerdócio ministerial.

A novidade do sacrifício de Cristo em relação ao sacerdócio da antiga aliança (e, como já sabemos, em relação a qualquer outra instituição sacerdotal também fora da Bíblia) é posta em relevo na Carta aos Hebreus por diversos pontos de vista: Cristo não precisa, como os sumos sacerdotes, oferecer sacrifícios a cada dia, primeiro por seus próprios pecados e depois pelos do povo. Ele já o fez uma vez por todas, oferecendo-se a si mesmo (7,27); não necessita repetir uma vez mais o sacrifício, mas “na plenitude dos tempos, uma vez por todas, ele se manifestou para destruir o pecado pela imolação de si mesmo” (9, 26). Mas a diferença fundamental é outra. Vejamos como é descrita:

“Cristo, porém, veio como sumo sacerdote dos bens futuros. Ele entrou no Santuário através de uma tenda maior e mais perfeita, não feita por mãos humanas, nem pertencendo a esta criação. Ele entrou no Santuário, não com o sangue de bodes e bezerros, mas com seu próprio sangue, e isto, uma vez por todas, obtendo uma redenção eterna. De fato, se o sangue de bodes e touros e a cinza de novilhas espalhada sobre os seres impuros os santificam, realizando a pureza ritual dos corpos, quanto mais o sangue de Cristo purificará a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo!” (Hb 9, 11-14).

Enquanto qualquer outro sacerdote oferece algo externo a si, Cristo oferece a si mesmo; qualquer outro sacerdote oferece vítimas, mas Cristo oferece a si mesmo como vítima! Santo Agostinho sintetizou em uma célebre fórmula esse novo gênero de sacerdócio, no qual o sacerdote e a vítima são um só: Ideo victor, quia victima, et ideo sacerdos, quia sacrificium: “vencedor por ser vítima, sacerdote por ser vítima” [3].

Na passagem dos sacrifícios antigos para o sacrifício de Cristo, observa-se a mesma novidade notada na passagem da lei à graça, do dever ao dom, ilustrada na meditação anterior. De uma obra do homem para aplacar a divindade e reconciliá-la consigo, o sacríficio passa a ser dom de Deus para aplacar o homem, fezê-lo desistir de sua violência e reconciliá-lo por meio dele (cf. Col 1,20). Também no que diz respeito ao seu sacríficio, como em tudo mais, Cristo é “totalmente outro”.

2. “Imitem aquilo que executam”

A consequência de tudo isso é clara: para ser sacerdote “segundo a ordem de Jesus Cristo”, o presbítero deve, como ele, oferecer a si mesmo. Sobre o altar, portanto, ele não representa tão somente o Jesus “sumo sacerdote”, mas também o Jesus “suma vítima”, sendo assim as duas coisas inseparáveis. Em outras palavras, não se pode contentar em oferecer Cristo ao Pai nos sinais sacramentais do pão e do vinho; deve também oferecer a si mesmo com Cristo ao Pai. Retomando um pensamento de Santo Agostinho, a instrução da S. Congregação dos Ritos, Eucharisticum mysterium, escreve: “A Igreja, esposa e ministra de Cristo, cumprindo com ele a função de sacerdote e vítima, oferece-o ao Pai, e, junto a Ele, oferece-se a si mesma” [4].

O que se afirma aqui a respeito da Igreja como um todo aplica-se de um modo todo especial ao celebrante. No momento da ordenação, o bispo dirige aos ordenados a seguinte exortação: Agnoscite quod agitis, imitamini quod tractatis: “Tenham em conta aquilo que farão, imitem o que celebrarão”. Em outras palavras: faça também você aquilo que faz Cristo na Missa, isto é, ofereça-se a si mesmo a Deus como sacrifício vivo. Escreve são Gregório Nazianzeno:

“Sabendo que ninguém é digno da grandeza de Deus, da Vítima e do Sacerdote, se não se é primeiramente oferecido a si mesmo em sacrifício vivo e santo, se não se é apresentado como oblação santa e agradável (cf Rom 12, 1) e se não se tiver oferecido a Deus um sacrifício elogiável e um espírito contrito – o único sacríficio que o autor de todos os dons nos pede – como ousaria oferecer-lhe uma oferenda exterior sobre o altar, que é a representação dos grandes mistérios?”

Permito-me contar como eu mesmo descobri essa dimensão de meu sacerdócio, porque possa talvez nos ajudar a compreender melhor o assunto que estamos tratando. Após minha ordenação, eis como vivi o momento da consagração: fechei os olhos, abaixei a cabeça e busquei me isolar de tudo o que estava ao meu redor, para assim me ligar a Jesus, que, no cenáculo, pronunciou pela primeira vez as palavras: “Accipite et manducate…”, “Tomai e comei...”.

A própria liturgia favorecia esta atitude, ao fazer pronunciar as palavras da consagração em voz baixa e em latim, voltado para o altar e não para o povo. Mais tarde, um dia, compreendi que tal atitude, por si só, não expressava todo o significado de minha participação na consagração. Quem preside de forma invisível toda Missa é Jesus ressuscitado e vivo, o Jesus, para sermos exatos, que esteve morto, mas que agora vive para sempre (cf. Ap 1, 18). Mas este Jesus é o “Cristo total”, Cabeça e corpo indissociavelmente unidos. Assim, se é este Cristo total quem pronuncia as palavras da consagração, também eu as pronuncio com ele. Dentro do grande “Eu” da Cabeça, esconde-se o pequeno “eu” do corpo que é a Igreja e também e meu “eu” pequenino.

Desde então, quando, como sacerdote ordenado da Igreja, pronuncio as palavras da consagração “in persona Christi”, acreditando que, graças ao Espírito Santo, estas têm o poder de transformar o pão no corpo de Cristo e o vinho em seu sangue, ao mesmo tempo, como membro do corpo de Cristo, já não fecho mais os olhos, mas olho para os irmãos que estão diante de mim, ou, se celebro sozinho, penso naqueles a quem devo servir ao longo do dia e, voltado para eles, digo mentalmente, junto a Jesus: “Irmãos e irmãs, tomai e comei: este é meu corpo; tomai e bebei, este é meu sangue”.

Em seguida, encontrei uma singular confirmação nos escritos da venerável Concepciòn Cabrera de Armida, dita Conchita, a mística mexicana fundadora de três ordens religiosas e cujo processo de beatificação está em curso. A seu filho jesuíta, que estava prestes a ser ordenado sacerdote, ela escrevia: “Lembre-se, meu filho, que quando tiver em mãos a Hóstia Santa, não dirá: Eis o corpo de Cristo, eis o seu sangue, mas dirá: Este é meu corpo, este é meu sangue: deve operar-se em ti uma transformação total, deves perder-te nele, ser um outro Jesus” [6].

A oferenda do sacerdote e de toda a Igreja, sem aquela de Jesus, não seria nem santa, nem agradável a Deus, porque somos criaturas pecadoras; mas a oferenda de Jesus, sem aquela de seu corpo que é a Igreja, seria também incompleta e insuficiente: não, evidentemente, por termos alcançado a salvação, mas porque a recebemos e dela nos apropriamos. É nesse sentido que a Igreja pode dizer com São Paulo: “completo, na minha carne, o que falta às tribulações de Cristo” (cf. Col 1, 24).

Podemos ilustrar com um exemplo o que ocorre em toda Missa. Imaginemos que em uma família ocorre que um dos filho, o primogênito, é muito afeiçoado ao pai. Por ocasião de seu aniversário, decide dar-lhe um presente. Porém, antes de apresentá-lo, pede, em segredo, a todos os irmãos e irmãs que assinem também o presente. Este chega então às mãos do pai como uma homenagem por parte de todos os seus filhos e como um símbolo do amor de todos eles, mas, na verdade, apenas um deles pagou pelo valor do presente.

Jesus admira e ama ilimitadamente o Pai celeste. A ele quer oferecer, todos os dias até o fim do mundo, o presente mais precioso que se poderia conceber: sua própria vida. Na Missa, convida a todos os seus “irmãos”, que somos nós, a também assinarem o presente, “o meu e o vosso sacrifício”, como diz o sacerdote no Orate fratres. Mas, na verdade, sabemos que apenas um pagou pelo preço de tal presente. E que preço!

3. O corpo e o sangue


Para entender as consequências práticas para o sacerdote que derivam de tudo isso, é necessário ter em mente o significado da palavra “corpo” e da palavra “sangue”. Na linguagem bíblica, a palavra corpo, assim como a palavra carne, não indica, como seria para nós hoje, uma terceira parte da pessoa como na tricotomia grega (corpo, alma, nous); indica a pessoa em sua totalidade, enquanto esta vive em uma dimensão corpórea. (“O Verbo se fez carne” significa se fez homem, não ossos, músculos, nervos!). Por sua vez, “sangue” não significa uma parte de uma parte do homem. O sangue é a fonte da vida, de modo que a efusão do sangue é um símbolo da morte.

Com a palavra “corpo”, Jesus nos doou sua vida; com a palavra sangue, nos doou sua morte. Aplicado a nós, oferecer o corpo significa oferecer o tempo, os recursos físicos, mentais, um sorriso, típico de um espírito que vive em um corpo; oferecer o sangue é oferecer a morte. Não apenas o momento final da vida, mas tudo aquilo que desde já antecipa a morte: as mortificações, as doenças, a passividade, tudo o que é negativo na vida.

Tentemos imaginar a vida sacerdotal vivida com esta consciência. Toda o dia, não apenas o momento da celebração, é uma eucaristia: ensinar, governar, confessar, visitar os doentes, bem como o repouso e o lazer, tudo. Um professor espiritual, o jesuíta francês Pierre Olivant, dizia: “Le matin, moi prêtre, Lui victime; le long du jour Lui prêtre, moi victime: a manhã (naquele tempo a missa era celebrada somente de manhã), eu sacerdote, Ele (Cristo) vítima; ao longo do dia, Ele sacerdote, eu vítima. “Como faz bem um padre – dizia o Santo Cura dA’rs – em oferecer-se a Deus em sacrifício todas as manhãs” [7].

Graças à Eucaristia, também a vida do sacerdote idoso, doente e reduzido à imobilidade é preciosíssima para a Igreja. Este oferece “o sangue”.

Visitei certa vez um sacerdote que estava doente de câncer. Estava a se preparar para celebrar uma de suas últimas Missas, com a ajuda de um jovem sacerdote. Tinha também uma doença nos olhos, que fazia com que estivesse sempre em lágrimas. Me disse: “Jamais havia compreendido a importância de falar também em meu nome na Missa: “Tomai e comei; tomai e bebei...”. Hoje compreendo. É tudo o que me resta, e digo isto pensando em meus paroquianos. Compreendi o significado de ser “um pão partido” pelos outros.

4. A serviço do sacerdócio universal dos fiéis


Uma vez descoberta esta dimensão existencial da Eucaristia, é tarefa pastoral do sacerdote contribuir para que seja vivenciada também pelo restante do povo de Deus. O ano sacerdotal não representa uma oportunidade e uma graça somente para os padres, mas também para os leigos. A Presbyterorum ordinis afirma claramente que o sacerdócio ministerial está a serviço do sacerdócio universal de todos os batizados, a fim de que estes “possam oferecer-se a si mesmos como hóstia viva, santa e aceitável por Deus (Rm 12,1). De fato:

“É através do ministério dos presbíteros que o sacrifício espiritual dos fiéis é tornado perfeito por união ao sacrifício de Cristo, único mediador; este sacrifício, de fato, pela mão dos presbíteros e em nome de toda a Igreja, é oferecido na eucaristia de modo sacramental sem derramamento de sangue, até o dia da vinda do Senhor” [8].

A constituição Lumen gentium do Vaticano II, falando do “sacerdócio comum” de todos os fiéis, escreve: “os fiéis, por sua parte, concorrem para a oblação da Eucaristia... pela participação no sacrifício eucarístico de Cristo, fonte e centro de toda a vida cristã, oferecem a Deus a vítima divina e a si mesmos juntamente com ela ; assim, quer pela oblação quer pela sagrada comunhão, não indiscriminadamente mas cada um a seu modo, todos tomam parte na ação litúrgica.”

A Eucaristia é, portanto, ato de todo o povo de Deus, não apenas no sentido passivo, mas também ativamente, no sentido de que é realizada mediante a participação de todos. O fundamento bíblico mais claro desta doutrina é Romanos 12, 1: “Eu vos exorto, irmãos, pela misericórdia de Deus, a vos oferecerdes em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: este é o vosso verdadeiro culto”.

Comentando estas palavras de Paulo, São Pedro Crisólogo dizia: “o Apóstolo vê assim elevados todos os homens à dignidade sacerdotal, para oferecerem os próprios corpos como sacrifício vivo. Oh, imensa dignidade do sacerdócio cristão! O homem foi tornado vítima e sacerdote por si mesmo. Não busca mais fora de si algo a ser imolado a Deus, mas traz em si mesmo aquilo que sacrifica a Deus... Irmãos, este sacríficio é inspirado naquele de Cristo” [10].

Examinemos como o modo de viver a consagração que ilustrei pode ajudar também os leigos a unirem-se à oferenda do sacerdote. Também o leigo é chamado, como vimos, a oferecer-se a Cristo na Missa. Pode fazê-lo usando as mesmas palavras de Cristo: “Tomai e comei, este é meu corpo”? A meu ver, não há nada que se oponha a isso. Não fazemos o mesmo quando, para expressar nossa submissão à vontade de Deus, recorremos às palavras ditas por Jesus na cruz: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”; ou quando, em momentos de provação, repetimos: “Afasta de mim este cálice”, ou qualquer outra palavra do Salvador? Usar as palavras de Jesus nos ajuda nos unirmos aos seus sentimentos.

A mística mexicana que mencionei anteriormente sentia dirigidas também a ela, e não apenas a seu filho sacerdote, as palavras de Cristo: “Desejo que, transformado pelo sofrimento, pelo amor e pela prática de todas as virtudes, erga-se aos céus este grito de tua alma em união com Cristo: este é meu corpo, este é meu sangue” [11].

O fiel leigo deve apenas estar consciente de que estas palavras, por ele proferidas na Missa, não têm o poder de fazer presentes o corpo e o sangue de Cristo sobre o altar. Ele não age, neste momento, in persona Christi; não representa Cristo, como faz o sacerdote ordenado, mas apenas se une a Cristo. Por isso, não deve dizer as palavras da consagração em voz alta, como o sacerdote, mas no próprio coração.
Imaginemos o que ocorreria caso também os leigos, no momento da consagração, dissessem silenciosamente: “Tomai e comei: este é meu corpo. Tomai e bebei: este é meu sangue”. Uma mãe de família celebra assim sua Missa, e depois retorna a casa para dedicar-se aos seus milhares de pequenos afazeres. Sua vida está literalmente esmigalhada; aparentemente, não deixará qualquer marca na história. Mas o que faz, definitivamente, não é algo a ser desprezado: uma eucaristia junto a Jesus! Uma freira diz, também ela, em seu coração, no momento da consagração: “Tomai e comei...”; em seguida, vai se dedicar ao seu trabalho cotidiano: crianças, doentes, idosos. A Eucaristia “invade” seu dia, que se torna então uma extensão da Eucaristia.

Mas gostaria de me deter em particular em duas categorias de pessoas: os trabalhadores e os jovens. O pão eucarístico, “fruto da terra e do trabalho do homem”, há de ter algo importante a dizer a respeito do trabalho humano – e não apenas o do agricultor. No processo que parte do grão semeado e culmina com o pão sobre a mesa, intervém a indústria com seu maquinário, o comércio, os transportes e uma infinidade de outras atividades - enfim, todo o trabalho humano. Ensinemos o trabalhador cristão a oferecer, na Missa, seu corpo e seu sangue, isto é, seu tempo, seu suor, sua fadiga. Assim, o trabalho não será mais, como na ótica marxista, algo alienante, cujo fim se restringe ao produto que está sendo vendido; passa a ser santificante.

E que dizer aos jovens sobre a Eucaristia? Basta que tenhamos uma coisa em mente: o que deseja o mundo dos jovens hoje? O corpo, nada mais que o corpo! O corpo, na mentalidade do mundo, é essencialmente um instrumento de prazer e desfrute. Algo a ser vendido, espremido enquanto ainda é jovem e atraente, para depois ser descartado, juntamente com a pessoa, quando já não serve mais a estes propósitos. Especialmente o corpo da mulher se tornou um artigo de consumo.

Ensinemos os jovens cristãos a dizerem, no momento da consagração: “Tomai e comei, este é meu corpo, que será entregue por vós”. O corpo, assim, passa a ser consagrado, torna-se algo sagrado, que já não pode mais ser entregue ao consumo, que já não pode ser vendido, uma vez que é uma oferenda. Tornou-se eucaristia com Cristo. O apóstolo Paulo escrevia aos primeiros cristãos: “O corpo, porém, não é para a prostituição, ele é para o Senhor... Então, glorificai a Deus no vosso corpo (1 Cor 6, 13.20). E explicava em seguida as duas formas de glorificar a Deus com o próprio corpo: ou com o matrimônio, ou com a virgindade, de acordo com a vocação de cada um (cf. 1 Cor 7, 1 ss.).

5. Com a obra do Espírito Santo

Onde encontrar a força, sacerdotes e leigos, para fazer essa oferenda total de si mesmo a Deus, para erguer-se da terra com as próprias mãos? A resposta é: o Espírito Santo! Cristo, como vimos na primeira Carta aos Hebreus, ofereceu-se a si mesmo ao Pai em sacrifício, “no Espírito eterno” (Eb 9, 14), isto é, graças ao Espírito Santo. Foi o Espírito Santo que, assim como suscitou no homem o impulso para a oração, suscitou nele o impulso e o desejo de oferecer-se ao Pai em sacrifício pela humanidade.

O Papa Leão XIII, em sua encíclica sobre o Espírito Santo, diz que “Cristo cumpriu toda a sua obra, e, especialmente, seu sacrifício, com a intervenção do Espírito Santo (praesente Spiritu)” [12] e na Missa, antes da comunhão, o sacerdote ora dizendo: “Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus vivo, que por vontade do Pai e com a obra do Espírito Santo (cooperante Spiritu Sancto), morrendo deu a vida ao mundo...”. Isto explica por que na Missa há duas “epicleses”, isto é, duas invocações do Espírito Santo: uma, antes da consagração, sobre o pão e o vinho; e outra, após a consagração, sobre a totalidade do corpo místico.

Com as palavras de uma destas epicleses (Oração eucarística III), peçamos ao Pai o dom de seu Espírito para que sejamos, em cada Missa, como Jesus, sacerdotes e, ao mesmo tempo, sacrifício: “Que Ele (o Espírito Santo) faça de nós um sacrifício perene e agradável a vós, para que possamos entrar no reino prometido com os eleitos: com a Virgem Maria, Mãe de Deus, com os santos e apóstolos, os gloriosos mártires e como todos os santos nossos intercessores junto a vós”.

Frei Raniero Cantalamessa

[Tradução de Paulo Marcelo Silva]

Quaresma - Experimentar a Misericórdia Divina



«Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia»

A misericórdia de Cristo

«Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia». Partindo, como sempre, da afirmação de que as bem-aventuranças são o auto-retrato de Cristo, também desta vez nos propomos imediatamente a pergunta: como Jesus viveu a misericórdia? O que a sua vida nos diz sobre esta bem-aventurança?

Na Bíblia, a palavra misericórdia se apresenta com dois significados fundamentais: o primeiro indica a atitude da parte mais forte (na aliança, Deus mesmo) para com a parte mais fraca e se expressa habitualmente no perdão das infidelidades e das culpas; o segundo indica a atitude para com a necessidade do outro e se expressa nas chamadas obras de misericórdia. (Neste segundo sentido, o termo se repete com freqüência no livro de Tobias). Existe, por assim dizer, uma misericórdia do coração e uma misericórdia das mãos.

Na vida de Jesus resplandecem as duas formas. Ele reflete a misericórdia de Deus para com os pecadores, mas se comove também ante todos os sofrimentos e necessidades humanas, intervém para dar de comer à multidão, curar os enfermos, libertar os oprimidos. Dele o evangelista diz: «Tomou sobre si nossas fraquezas e carregou nossas enfermidades» (Mt 8, 17).

Em nossa bem-aventurança, o sentido que prevalece é certamente o primeiro, o do perdão e da remissão dos pecados. Nós o deduzimos pela correspondência entre a bem-aventurança e sua recompensa: «Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia», entende-se que é ante Deus, que perdoará seus pecados. A frase: «Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso», se explica imediatamente com «perdoai e sereis perdoados» (Lc 6, 36-37).

É conhecida a acolhida que Jesus reserva aos pecadores no Evangelho e a oposição que isso lhe causou por parte dos defensores da lei, que o acusavam de ser «um comilão e beberrão, amigo de publicanos e pecadores» (Lc 7, 34). Uma das falas historicamente melhor testemunhadas de Jesus é: «Não vim para chamar os justos, mas os pecadores» (Mc 2, 17). Sentindo-se por Ele acolhidos e não julgados, os pecadores o escutavam com agrado.

Um Deus que se alegra em ter misericórdia

Jesus justifica sua conduta para com os pecadores dizendo que assim atua o Pai celestial. A seus detratores recorda a palavra de Deus nos profetas: «Misericórdia quero, e não sacrifícios» (Mt 9, 13). A misericórdia para com a infidelidade do povo, a hesed, é o traço mais sobressalente do Deus da Aliança e enche a Bíblia de um extremo a outro.

Um salmo o repete em forma de ladainha, explicando com ela todos os eventos da história de Israel: «Porque eterna é sua misericórdia» (Sal 136). Ser misericordiosos se apresenta assim como um aspecto essencial do ser «à imagem e semelhança de Deus». «Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso» (Lc 6, 36) é uma paráfrase do famoso: «Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo» (Lv 19, 2).

Mas o mais surpreendente acerca da misericórdia de Deus, é que Ele experimenta alegria em ter misericórdia. Jesus conclui a parábola da ovelha perdida dizendo: «Haverá mais alegria no céu por um só pecador que se converta que por noventa e nove justos que não tenham necessidade de conversão» (Lc 15, 7). A mulher que encontrou o dracma perdido grita a suas amigas: «Alegrai-vos comigo». Na parábola do filho pródigo, também a alegria transborda e se converte em festa, banquete.

Não se trata de um tema isolado, mas profundamente enraizado na Bíblia. Em Ezequiel, Deus diz: «Eu não me alegro na morte do malvado, mas (me alegro!) em que o malvado se converta de sua conduta e viva» (Ez 33, 11). Miquéias diz que Deus «se alegra em ter misericórdia» (Mi 7, 18), isto é, experimenta gozo ao fazê-lo.

Mas por que - surge a questão - uma ovelha deve contar, na balança, como todas as demais juntas, e importar mais, precisamente porque escapou e criou mais problemas? Eu encontrei uma explicação convincente no poeta Charles Péguy. Aquela ovelha - como o filho menor -, ao extraviar-se, fez o coração de Deus tremer. Deus temeu perdê-la para sempre, ver-se obrigado a condená-la e privar-se dela eternamente. Este medo fez brotar a esperança em Deus, e a esperança, uma vez realizada, provocou a alegria e a festa. «Toda penitência do homem é a coroação de uma esperança de Deus» (Ch. Péguy, Il portico del mistero Della seconda virtù). É uma linguagem figurada, como tudo que falamos de Deus, mas contém uma verdade. Nos homens, a condição que torna a esperança possível é o fato de que não conhecemos o futuro, e por isso o esperamos. Em Deus, que conhece o futuro, a condição é que não quer (e, em certo sentido, não pode) realizar o que deseja sem nossa permissão. A liberdade humana explica a existência da esperança em Deus.

O que dizer então das noventa e nove ovelhas bem comportadas e do filho maior? Não existe nenhuma alegria no céu por eles? Vale a pena viver toda a vida como bons cristãos? Recordemos o que responde o Pai ao filho maior: «Filho, tu sempre estás comigo e tudo o que é meu é teu» (Lc 15, 31). O erro do filho maior está em considerar que ter ficado sempre em casa e ter compartilhado tudo com o Pai não é um privilégio imenso, mas um mérito; ele se comporta como mercenário, mais que como filho (isso deveria ser uma alerta para todos nós, que, por estado de vida, nos encontramos na mesma situação que o filho maior!).

Sobre este ponto, a realidade foi melhor que a própria parábola. Na verdade, o filho mais velho - o Primogênito do Pai, o Verbo -, não ficou na casa paterna; Ele partiu para «uma região distante» para buscar o filho menor, isto é, a humanidade caída; foi Ele quem lhe reconduziu a casa, quem lhe procurou vestes e lhe preparou um banquete para participar, em cada Eucaristia.

Em uma novela sua, Dostoievski descreve uma cena que tem todo o ambiente de uma imagem real. Uma mulher do povo tem em seus braços a sua criança de poucas semanas, quando esta - pela primeira vez, diz ela - lhe sorri. Compungida, ela faz o sinal da cruz e a quem lhe pergunta o por que desse gesto, ela responde: «Assim como uma mãe é feliz quando nota o primeiro sorriso de seu filho, assim se alegra Deus cada vez que um pecador se ajoelha e lhe dirige uma oração com todo o coração» (F. Dostoevskij, L'Idiota).

Nossa misericórdia, causa ou efeito da misericórdia de Deus?


Jesus diz «Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia»; e no Pai Nosso nos faz rezar: «Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido». Diz também: «Se não perdoais os homens, tampouco vosso Pai perdoará vossas ofensas» (Mt 6, 5). Estas frases poderiam levar a pensar que a misericórdia de Deus para conosco é um efeito de nossa misericórdia para com os outros, e que é proporcional a ela.

Se assim fosse, no entanto, estaria completamente invertida a relação entre graça e boas obras, e se destruiria o caráter de pura gratuidade da misericórdia divina solenemente proclamado por Deus ante Moisés: «Realizarei graça a quem quiser fazer graça e terei misericórdia de quem quiser ter misericórdia» (Ex 33, 19).

Devemos, então, ter misericórdia porque recebemos misericórdia, não para receber misericórdia; mas é preciso ter misericórdia, senão a misericórdia de Deus não terá efeito em nós e nos será retirada, como o senhor da parábola a retirou ao servo impiedoso. A graça «previne» sempre e é ela a que cria o dever: «Como o Senhor vos perdoou, perdoai-vos também vós», escreve São Paulo aos Colossenses (Col 3, 13).

Experimentar a misericórdia divina

Se a misericórdia divina está no início de tudo e é ela a que exige e torna possível a misericórdia de uns para com os outros, então o mais importante para nós é ter uma experiência renovada da misericórdia de Deus. Nós estamos nos aproximando da Páscoa e esta é a experiência pascal por excelência.

O escritor Franz Kafka tem uma novela titulada «O Processo». Nela, fala de um homem que um dia, sem que ninguém saiba por que, é declarado em detenção, ainda que continue com sua vida costumeira e seu trabalho de modesto empregado. Começa uma extenuante busca para conhecer os motivos, o tribunal, as imputações, os procedimentos. Mas ninguém sabe dizer-lhe nada; só que existe verdadeiramente um processo contra ele. Até que um dia chegam para levá-lo à execução da sentença. No curso do sucesso se vai conhecendo que haveria, para este homem, três possibilidades: a absolvição autêntica, a absolvição aparente e a prorrogação. A absolvição aparente e a prorrogação, contudo não resolveriam nada; serviriam só para manter o imputado em uma incerteza mortal por toda a vida. Na absolvição autêntica, ao contrário, «as atas processuais devem ser completamente suprimidas, desaparecem totalmente do processo, não só a acusação, mas também o processo e até a sentença se destroem, tudo é destruído». Mas destas absolvições autênticas, tão suspiradas, não se sabe da existência de nenhuma; há só rumores ao respeito, nada mais que «belíssimas lendas». A obra conclui assim como todas as do autor: algo que se entrevê de longe, se persegue com afã como um pesadelo noturno, mas sem possibilidade alguma de alcançá-lo.

Na Páscoa, a liturgia da Igreja nos transmite a incrível notícia de que a absolvição autêntica existe para o homem, não é só uma lenda, algo belíssimo, mas inalcançável. Jesus destruiu «a acusação que havia contra nós; e a suprimiu pregando-a na cruz» (Col 2, 14). Destruiu tudo. «Nenhuma condenação pesa já para os que estão em Cristo Jesus» (Rm 8, 1). Nenhuma condenação! De nenhum tipo! Para os que crêem em Cristo Jesus!

Em Jerusalém havia uma piscina milagrosa e o primeiro que se jogava dentro, quando as águas se agitavam, ficava curado (v. Jo 5, 2 ss). No entanto a realidade, também aqui, é infinitamente maior que o símbolo. Da cruz de Cristo brotou a fonte de água e sangue, e não um só, mas todos os que se ajoelham dentro saem curados.

Depois do batismo, esta piscina milagrosa é o sacramento da Reconciliação, e esta última meditação desejaria servir precisamente como preparação para uma boa confissão pascal. Uma confissão «fora de série», ou seja, diferente das acostumadas, na qual permitamos de verdade ao Paráclito «convencer-nos do pecado». Poderíamos tomar como espelho as bem-aventuranças meditadas na Quaresma, começando agora e repetindo juntos a expressão tão antiga e tão bela:

Kyrie eleison! Senhor, tende piedade de nós!

«Bem-aventurados os puros de coração»: Senhor, reconheço toda a impureza e a hipocrisia que há em meu coração, talvez, a dupla vida que levo ante Vós e ante os outros. Kyrie eleison!

«Bem-aventurados os mansos»: Senhor, eu vos peço perdão pela impaciência e pela violência oculta que existe dentro de mim, pelos juízos temerários, o sofrimento que provoquei às pessoas a meu redor... Kyrie eleison!

«Bem-aventurados os que têm fome»: Senhor, perdoai minha indiferença para com os pobres e os famintos, minha contínua busca de comodidade, meu estilo de vida aburguesado... Kyrie eleison!

«Bem-aventurados os misericordiosos»: Senhor, freqüentemente pedi e recebi rapidamente a vossa misericórdia, sem dar-me conta do preço que ela vos custou! Com freqüência fui o servo perdoado que não sabe perdoar. Kyrie eleison!

Há uma graça especial quando não é só o indivíduo, mas toda a comunidade a que se põe ante Deus nesta atitude penitencial. De uma experiência profunda da misericórdia de Deus se sai renovados e cheios de esperança: «Deus, rico de misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, estando nós mortos por causa de nossos delitos, nos vivificou juntamente com Cristo» (Ef 2, 4-5).

Procuremos identificar, em nossas relações com os outros, aquela que pareça mais necessitada de receber o óleo da misericórdia e da reconciliação, e a invoquemos silenciosamente, com abundância, pela Páscoa. Unamo-nos a nossos irmãos ortodoxos, que na Páscoa não se cansam de cantar:

«É o dia da Ressurreição!
Irradiamos gozo pela festa,
Abracemo-nos todos.
Digamos irmão também a quem nos odeia,
Perdoemos tudo por amor à Ressurreição»


Frei Raniero Cantalamessa
Cantalamessa.org

Deus não quer o mal, mas se o permite é por um bem maior, diz Papa



"Diante do pecado, Deus se revela misericordioso e não cessa de chamar de novo os pecadores a evitar o mal e a crescer em seu amor"

No Angelus deste domingo, 7, o Papa Bento XVI convidou os fiéis presentes na praça São Pedro, no Vaticano, a refletirem sobre os sofrimentos que acontecem em nossas vidas, e explicou que não trata-se de uma punição divina. "As desventuras, os acontecimentos funestos não devem ser para nós motivo de curiosidade ou de busca dos culpados, mas sim uma ocasião para refletir, para vencer a ilusão de poder viver sem Deus e para reforçar, com a ajuda do Senhor, nosso empenho em mudar de vida”, disse.

Refletindo sobre a liturgia deste domingo, o Papa destaca que, “perante a apressada conclusão de considerar o mal como efeito da punição divina, Jesus restitui a verdadeira imagem de Deus que é bom e não pode querer o mal, advertindo sobre a tendência a pensar que as desgraças são o efeito imediato de culpas daqueles a quem acontecem”.

“Diante de sofrimentos e de lutos, a autêntica sabedoria é deixar-se interpelar pela precariedade da existência e ler a história humana com os olhos de Deus, o qual, querendo sempre e exclusivamente o bem de seus filhos – por um desígnio insondável do seu amor – certas vezes permite que sejam provados pela dor, para conduzi-los a um bem maior”.

O Papa assegurou aos fiéis que “diante do pecado, Deus se revela misericordioso e não cessa de chamar de novo os pecadores a evitarem o mal, a crescerem em seu amor e a ajudarem concretamente o pobre desamparado, para viver a alegria da graça e não ir ao encontro da morte eterna. Mas a possibilidade de conversão exige que aprendamos a ler os fatos da vida na perspectiva da fé, isto é, animados pelo santo temor de Deus"

Como todos os domingos, o Papa fez saudações em várias línguas. Em português, disse: “Saúdo cordialmente a todos os peregrinos de língua portuguesa, de modo particular aos fiéis paroquianos de Santo António de Nova Oeiras, no Patriarcado de Lisboa, desejando que esta vinda a Roma vos confirme na fé e na necessidade de a transmitir aos outros, porque é dando a fé que ela se fortalece. A Santíssima Virgem guie maternalmente os vossos passos. Acompanho estes votos, com a minha Bênção Apostólica”.

Em francês, Bento XVI expressou seu pesar pela morte e a destruição causadas pela passagem da tempestade Xynthia na costa atlântica da França, que nos últimos dias, provocou 53 vítimas.

Enfim, o Papa desejou a todos um ‘bom domingo’, e concedeu aos presentes, ouvintes e telespectadores a sua benção apostólica

Por Canção Nova

ORAÇÃO PELAS FAMÍLIAS



“Se Deus esta a nosso favor, quem estará contra nós?”
(Rm 8, 31)

Confiantes nessa Palavra, queremos nos unir para rezarmos pelas famílias.

Para tanto o Siloé desta quarta-feira, 03/03 na Casa do DJC Cascavel, às 19h, será de modo especial pelas famílias, pela conversão de nossos entes queridos.
Sabemos que Deus constituiu a família para ser santuário da vida, porém ela tem se tornado um grande alvo do inimigo de Deus. É impressionante perceber cada dia mais separações, brigas, falta de perdão, vícios, doenças e tantas outras situações!

Por isso, guiados por esta passagem bíblica, escrita pelo grande apóstolo Paulo " Se Deus esta a nosso favor, quem estará contra nós?" (Rm 8,31) e neste tempo propício, tempo quaresmal, vamos combater o mal que tem ferido, afligindo nossas famílias por meio da oração, porque cremos que o Senhor tem o poder de nos libertar e curar.

Seja bem-vindo, traga sua família.Traga o nome de seus familiares escrito em um papel para ser depositado aos pés de Nossa senhora, Mãe da do Amor e para que o Ministério de intercessão permaneça rezando por você e sua família.

Rezemos juntos com a oração pelas familías de João paulo II

Ó Deus, de quem procede toda a paternidade no céu e na terra.
Pai, que és amor e vida, faze que cada família humana sobre a terra se converta, por meio de Teu Filho, Jesus Cristo, nascido de mulher e mediante o Espírito Santo, fonte da caridade divina, em verdadeiro santuário da vida e do amor para as gerações que sempre se renovam.
Faze que tua graça guie os pensamentos e as obras dos esposos para o bem de suas famílias e de todas as famílias do mundo.
Faze que as jovens gerações encontrem na família apoio para sua humanidade e para seu crescimento na verdade e no amor.
Faze que o amor reafirmado pela graça do sacramento do matrimônio, se revele mais forte que qualquer debilidade a qualquer crise, pelas quais às vezes passam nossas famílias.
Faze, finalmente, Te pedimos por intercessão da Sagrada Família de Nazaré, que a Igreja, em todas as nações da Terra, possa cumprir frutiferamente sua missão na família e por meio da família.
Tu, que és a vida, a verdade e o amor, na unidade do Filho e do Espírito Santo.
Amém.

Como enfrentar as provações?



As provações nos fortalecem para o combate espiritual; por isso, os Apóstolos sempre estimularam os fiéis a enfrentá-las com coragem. São Pedro diz: “Caríssimos, não vos perturbeis no fogo da provação, como se vos acontecesse alguma coisa extraordinária. Pelo contrário, alegrai-vos em ser participantes dos sofrimentos de Cristo...” (1 Pe 4,12). Ensinando-nos que essas dificuldades nos levarão à perfeição: “O Deus de toda graça, que vos chamou em Cristo à sua eterna glória, depois que tiverdes padecido um pouco, vos aperfeiçoará, vos tornará inabaláveis, vós fortificará” (1 Pe 5,10).

O mesmo Apóstolo ensina-nos que a provação nos “aperfeiçoará” e nos tornará “inabaláveis”. É importante não se deixar perturbar no fogo da provação. Não se exasperar, não perder a paz e a calma, pois é exatamente isso que o tentador deseja.

Uma alma agitada fica a seu bel-prazer. Não consegue rezar, fica irritada, mal-humorada, triste, indelicada com os outros e acaba deprimida.

O antídoto contra tudo isso é a humilde aceitação da vontade de Deus no exato momento em que algo desagradável nos ocorre, dando, de imediato, glória a Deus, como São Paulo ensina:

"Em todas as circunstâncias dai graças, pois esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus" (1 Tes 5,16).

É preciso fazer esse grande e difícil exercício de dar glória a Deus na adversidade. Nesses momentos gosto de glorificar a Deus, rezar muitas vezes o “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo...” até que minha alma se acalme e se abandone aos cuidados do Senhor.

Essa atitude muito agrada ao Senhor, pois é a expressão da fé pura de quem se abandona aos Seus cuidados. É como a fé de Maria e de Abraão que “esperaram contra toda a esperança” (cf. Hb11,17-19), e assim, agradaram a Deus sobremaneira.

Da mesma forma, Jó agradou muito ao Todo-poderoso porque no meio de todas as provações, tendo perdido todos os seus bens e todos os seus filhos, ainda assim soube dizer com fé:

"Nu saí do ventre da minha mãe, nu voltarei. O Senhor deu, o Senhor tirou; bendito seja o nome do Senhor!" (Jo 1,21).

Afirmam os santos que vale mais um “Bendito seja Deus!”, pronunciado com o coração, no meio do fogo da provação, do que mil atos de ação de graças quando tudo vai bem.

O Jardineiro Divino da nossa alma sabe os métodos que deve empregar para limpar cada alma. Não se assuste com as podas que Ele fizer no jardim de sua alma.

Santa Teresa diz que ouviu Jesus dizer-lhe: “Fica sabendo que as pessoas mais queridas de meu Pai são as que são mais afligidas com os maiores sofrimentos”. E por isso afirmava que não trocaria os seus sofrimentos por todos os tesouros do mundo. Tinha a certeza de que Deus a santificava pelas provações. A grande santa da Igreja chegou a dizer que "quando alguém faz algum bem a Deus, o Senhor lhe paga com alguma cruz".

Para nós, essas palavras parecem um absurdo, mas não para os santos, que conheceram todo o poder salvífico e santificador do sofrimento.

“As nossas tribulações de momento são leves e nos preparam um peso de glória eterna” (II Cor 4,17).

Quando São Francisco de Assis passava um dia sem nada sofrer por Deus, temia que o Senhor tivesse se esquecido dele. São João Crisóstomo, doutor da Igreja, diz que “é melhor sofrer do que fazer milagres, já que aquele que faz milagres se torna devedor de Deus, mas no sofrimento Deus se torna devedor do homem”.

As ofensas, as injúrias, os desprezos, os cinismos irritantes, as doenças, as dores, as lágrimas, as tentações, a humilhação do pecado próprio, etc., nos são necessários, pois nos dão a oportunidade de lutar contra as nossas misérias.

Isso tudo, repito mais uma vez, não quer dizer que Deus seja o autor do mal ou que Ele se alegre com o nosso sofrimento, não. O que o Senhor faz, de maneira até amável, é transformar o sofrimento, que é o salário do próprio pecado do homem, em matéria-prima de nossa própria salvação, dando assim, um sentido à nossa dor.

A partir daí, sob a luz da fé, podemos sofrer com esperança. É o enorme abismo que nos separa dos ateus, para quem a dor e a morte continuam a ser o mais terrível dos absurdos da vida humana.

A provação produz a perseverança, e por ela, passo a passo, chegaremos à perfeição, como nos ensina São Tiago.

“Nós nos gloriamos também nas tribulações, sabendo que a tribulação produz a perseverança...” (Rom 5,3-5).

Sofrer com paciência é sabedoria, pois assim se vive com paz. Quem sofre sem paciência e sem fé, revolta-se, desespera-se, sofre em dobro, além de fazer os outros sofrerem também.

Santo Afonso disse que “neste vale de lágrimas não pode ter a paz interior senão quem recebe e abraça com amor os sofrimentos, tendo em vista agradar a Deus”. Segundo ele “essa é a condição a que estamos reduzidos em consequência da corrupção do pecado”.

Felipe Aquino