Ide pelo mundo

O seguimento de Jesus não comporta facilidades e comodidades passageiras, embora seja a fonte mais segura de todo prazer e satisfação possíveis para a vida do discípulo. As comodidades deste seguimento são as alegrias de se descobrir o gosto, supremo e nobre, de fazer da própria vida, permanentemente, uma oferta para o bem dos outros. Custe o que custar. Fazendo valer sempre o bem que edifica o outro, sua vida. Uma dinâmica de vida que inclui as exigências de rever, diariamente, modos de falar, posturas assumidas diante dos outros, motivações para escolhas e direcionamentos da própria ação quotidiana. Uma experiência de oferta sustentada pela certeza de se estar bebendo na fonte daquela realização humana e pessoal que fascina e move o coração de toda pessoa como dinâmica de procura.

São esforços e sacrifícios premiados com uma alegria duradoura e com a sabedoria de compreender o verdadeiro sentido da própria vida. Uma compreensão sem a qual a vida fica pesada; o dia a dia exigente para além do que se pode dar conta; e tudo parece difícil demais e quase impossível. Na contra - mão do que costumeiramente o coração humano procura como fonte de satisfação e alegria, o seguimento de Jesus possibilita a conquista de um jeito de viver pelo qual sacrifícios e esforços ganham um profundo sentido. O sentido que responde à procura mais profunda do coração humano, feito para amar e para realizar-se na experiência generosa da oferta. E assim, o Mestre, antes de ser levado aos céus e sentar-se à direita de Deus, vitorioso por sua oferta obediente à vontade de Deus Pai, marca o coração dos discípulos com este mandato: ‘Ide’. Um mandato rico desta dinâmica que exercitada e obedecida faz brotar no coração do discípulo os sinais desta alegria duradoura procurada por todos.

Ide


A vida do discípulo se constitui pela dinâmica do êxodo. Isto é, fazer-se discípulo e enriquecer o discipulado ocorrem na medida em que se assume audaciosamente a corajosa atitude de sair, partir, ir. O exemplo modelar é do Mestre e Senhor Jesus que marca a sua vida com um tríplice êxodo. O êxodo de sair do seio amoroso do Pai, vindo ao encontro da humanidade no assumir a sua condição. A saída de si na oferta generosa e incondicional de sua própria vida, morrendo na cruz e ressuscitando, para selar a aliança nova e redentora no seu próprio sangue. Ainda, a saída deste mundo, na sua ascensão, retornando ao seio do Pai, de onde Ele viera para gozar a glória suprema que recebe só quem amorosamente obedece a sua vontade. Assim, o discípulo é desafiado a sair de si para quebrar todo fechamento e impedir os riscos de organizar comodidades egoístas e mesquinhas, possibilitando-lhe dar as costas ao mundo ao qual ele é enviado.

Uma saída de si que atinge o ápice do seu sentido na medida em que se vai ao encontro dos outros, cada outro, lá onde estão, particularmente quando se considera a sua necessidade, seja ela de qual ordem for. E finalmente, a corajosa saída deste mundo para entrar também no gozo, verdadeiro e pleno, que só se encontra no seio amoroso de Deus Pai, o Pai do Senhor Jesus Cristo. Ide, pois, não é a indicação de uma simples tarefa a cumprir. É uma dinâmica existencial que, vivida com generosidade e incondicional confiança naquele que envia, dá forma ao coração do verdadeiro discípulo. O atendimento deste mandato o faz desabrochar e amadurecer para compreender e fazer, com prazer, da própria vida uma altar de generosas ofertas, redenção de si, com efetiva participação, pelo caráter de oferta, na obra redentora do seu Mestre e Senhor.

Pelo mundo inteiro anunciai

O mundo inteiro é o horizonte do discipulado. O mundo como ele é, cheio de dificuldades e com muitas contradições, armadilhas e ciladas, deixando-se conformar pelas dinâmicas que presidem o coração dos perversos, dos gananciosos e soberbos. Cada criatura é a razão da oferta do discípulo. Uma oferta que há de ser emoldurada pelo sentido insubstituível do anúncio do Evangelho. Um anúncio que inclui corajosa proclamação.

Uma proclamação que comporta um conteúdo a ser anunciado para tocar os corações com a força de sua própria interpelação. Uma interpelação indispensável para remover as crostas da indiferença, soberba, orgulho e presunção que amordaçam, facilmente, o coração humano e o impede de respostas proféticas e audaciosas generosidades. Uma interpelação veiculada pela proclamação e sustentada pelo testemunho. Uma fala destemida que se comprova no jeito de ser, criando convicções, renovando dinâmicas de vida e criando modos de viver que faz da vida de cada discípulo uma página viva deste Evangelho anunciado. Páginas vivas do Evangelho que vão forrando, com a novidade do amor de Deus, os corações e a organização comum da vida de cada dia. Um anúncio ao mundo inteiro com a força única de operar nele a redenção, garantida por aquele, Cristo Senhor, que é o conteúdo vivo deste Evangelho.

O Senhor os ajudava

O fascínio do discípulo e seu sustento vêm do Senhor. A obra a Ele pertence. Ao discípulo é dada a honra da participação e da colaboração, conformando a própria vida à do Mestre e Senhor, enquanto enfrenta o desafio de aprender que a vida verdadeira só se conquista pela força da oferta de si. Os percursos do caminho hão de ser fecundados pela consciência do envio e pelo sustento que advém do amor daquele que envia o discípulo ao coração do mundo para anunciar o Evangelho. A ajuda do Senhor, promessa garantida pela palavra dada e que vale, cria para o discípulo a condição de enfrentar os desafios com a força própria daquele que o enviou. E o anúncio, de novo, não é uma simples tarefa. É muito mais.

É uma autêntica experiência de crer. Crer naquele que envia, depositando nele toda confiança, e experimentando os milagres que Ele faz naqueles e por aqueles que, amorosamente, assumem a condição de discípulos. Uma condição que lhes outorga a força revelada nos sinais que estão no poder de expulsar demônios, estabelecendo no seu lugar a ordem do amor; a competência de falar novas línguas como conquista de diálogos que estabelecem a verdadeira comunhão, como condição indispensável para se conquistar a vida que não passa. Uma ajuda do Mestre aos seus discípulos pela garantia de livrá-los de todo mal e perigo, de modo que ‘se pegarem em serpentes ou beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal algum; e quando impuserem as mãos sobre os doentes, eles ficarão curados’. E o discípulo, ofertando sua vida, incondicionalmente, vive a sorte do Mestre, na oferta e na glória.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

É possível ser santo?


“Sou santo!” Quando ouvimos uma declaração dessas nos assustamos ou achamos presunção, orgulho, vaidade. Facilmente retrucamos afirmando: “Santo de pau oco?!”

A santidade nos parece algo tão distante ou quem sabe meio impossível. Por isso nem pensamos em persegui-la para alcançá-la. Embora Jesus nos tenha ordenado: “Sede perfeitos (santos), assim como vosso Pai celeste é perfeito” (Mateus 5, 48).

Podemos mesmo pensar que a santidade seja um chamado e uma possibilidade apenas para algumas pessoas especiais como papas, bispos, fundadores de comunidades e congregações religiosas. Mas não é assim. A santidade é uma possibilidade para todos, de modo especial para os batizados.

No batismo, recebemos o Espírito Santo. Não costumamos dizer “fogo quente”, pois, trata-se de uma redundância, já que só será fogo se for quente; nem “gelo frio”, pelo mesmo motivo. Mas, podemos afirmar que o Espírito que recebemos no Batismo é Santo, pois este tem como função santificar. A função do fogo é aquecer. A do gelo, esfriar. A do Espírito, santificar.

No livro do Êxodo vemos uma bela passagem que nos pode ajudar a entender a santidade: “Moisés notou que sarça estava em chamas, mas não se consumia” (Êxodo 3, 2). Deus disse a esse profeta: “Tira as sandálias dos pés, porque o lugar onde estás é uma terra santa” (Êxodo, 3, 5).

Passemos o Novo Testamento à nossa vida.

a. A chama que queima e não se consome é o Espírito Santo, que recebemos em nosso batismo. Ele é Deus. Está em nós. É uma chama divina que habita em nosso interior e jamais se consome. Quando acendemos um fogo, se não pusermos lenha sempre que necessário, ele apagará. Consumida a lenha, termina o fogo. A chama do fogo do Espírito Santo é esta “sarça” que queima sem parar em nosso interior. Ela é capaz de queimar o tempo todo e não se consumir. Isso ocorre porque se trata de uma chama divina, portanto, não necessita que “se reponha a lenha”.

b. Esta terra é santa. Quem a santifica é a presença da chama ardente, que não se consome. Que permanece acessa. A terra torna-se santa devido à chama que nela está queimando. Aqui nos damos conta de que há verdadeiramente a possibilidade de sermos santos. A santidade é possível não porque sejamos uma terra santa por nós mesmos. Somos e continuamos pecadores, mas em nós arde uma chama, “a chama do amor”, a chama do Espírito Santo. Quem se deixa iluminar, é aquecido por ela. Quem segue este conselho da Palavra de Deus “deixai-vos conduzir pelo Espírito e não satisfareis os apetites da carne” (cf. Gálatas 5,16), crescerá em santidade, tornar-se-á “uma terra santa”.

Santidade é uma obra do Espírito Santo em nós. Assim como o fruto é uma “obra” da árvore; a pintura, do pintor; a escultura, do escultor; a santidade é uma ação do Espírito Santo Paráclito. Esta santidade poderá ser percebida pelos frutos daquela “terra” na qual arde a “sarça” do Espírito: “o fruto do Espírito é caridade, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade, brandura, temperança” (cf. Gálatas 5, 22).

c. “Tira as sandálias dos pés”. Posso pisar sobre um fio elétrico e levar um grande choque ou não. Depende do isolante que eu tenha em meu calçado. Deus diz a Moisés: “Tira o 'isolante' dos teus pés”. Tira as sandálias! Pisa na terra! Entra em contado direto com ela. Sente o calor da terra. Deus deu-nos o Espírito Santo. Quis colocá-Lo tão em contato conosco que acabou colocando-O dentro de nós. Somos por Ele habitados para estarmos em contato direto o tempo todo e totalmente com Ele. Onde há isolante, a energia não chega. A cinza que se acumula sobre a brasa não permite que ela aqueça o churrasco. É preciso soprá-la. Jesus “soprou sobre eles dizendo-lhes: recebei o Espírito Santo” (cf. João 20, 22). O calor do Espírito nos aquece. Com esta força podemos progredir na santidade.

Se até hoje buscamos a santidade pelas nossas boas obras, renúncias, sacrifícios, podemos continuar. Mas, vamos acrescentar nessa busca a súplica constante para que o Pai dos Céus, que nos adotou como filhos, continuamente, sopre sobre “as brasas do Espírito” que recebemos no batismo. Que a chama da sarça do Espírito cresça sempre mais nesta terra, templos do Espírito, que somos, como nos diz a Palavra: “Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós, o qual recebestes de Deus e que, por isso mesmo, já não vos pertenceis?” (I Coríntios 6,19). Desta forma nos tornaremos cada dia mais santos, porque possuídos, fortificados e guiados pelo Espírito Santo.

Peçamos todos os dias: Sarça ardente do Divino Espírito, que habitas em mim, e que me tornastes santo pelo Batismo, ajuda-me a progredir no caminho da santidade e a produzir os frutos do Espírito. Então não precisarei dizer para ninguém: “sou santo!”. Essa declaração vai se tornar dispensável, pois, “pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinhos e figos dos abrolhos?” (Mateus 7,16).

Padre Alir Sanagiotto, SCJ